As recordações da infância são pequenas eternidades.
Há algo de misterioso nos elementos que guardam o sabor do passado. Às vezes, basta um gesto simples, como o toque de uma xícara quente nas mãos, para que memórias adormecidas despertem, e nos reconectem com quem fomos um dia.
Foi esse instante de reencontro com o passado que inspirou uma das mais belas passagens da literatura. No livro “Em busca do tempo perdido – No Caminho de Swann” (1913), Marcel Proust narra o momento em que o gosto de um chá desperta uma lembrança antiga, capaz de transformar o presente em algo luminoso e vivo:
"Fazia já muitos anos que, (...) chegando eu em casa, minha mãe, vendo-me com frio, propôs que tomasse, contra meus hábitos, um pouco de chá. (...) Ela então mandou buscar um desses biscoitos curtos e rechonchudos chamados madeleines (...) e logo, maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte igualmente sombrio, levei à boca uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço da madeleíne. Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso (...); rapidamente se me tornaram indiferentes as vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; (...) de onde poderia ter vindo essa alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao gosto do chá e do biscoito, mas ultrapassava-o infinitivamente. (...) Deponho a xícara e me dirijo ao meu espírito. Cabe a ele encontrar a verdade."
Marcel Proust, Em busca do tempo perdido - No Caminho de Swann, 1913 Tweet
As memórias da infância são feitas de detalhes simples, mas carregam a força de atravessar o tempo e devolver sentido à nossa história. Preservá-las é uma forma de cuidar da identidade e dos laços que nos sustentam.
Esta é uma publicação da série Memórias que Cuidam, que nos convida a celebrar não apenas uma data, como o Dia das Crianças, mas um modo de viver com imaginação, empatia e presença em todas as fases da vida.
Hoje, queremos ouvir você: Qual lembrança da infância ainda aquece o seu coração?

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