Você já refletiu sobre como os ambientes em que vivemos podem favorecer (ou limitar) nossa autonomia à medida que envelhecemos? A forma como os espaços são projetados influencia diretamente a qualidade de vida das pessoas idosas e daquelas com mobilidade reduzida. É nesse contexto que emergem dois campos fundamentais: a geroarquitetura e a acessibilidade arquitetônica.
O que é Geroarquitetura?
A geroarquitetura é uma vertente da arquitetura que se dedica ao planejamento e à adaptação de ambientes físicos para responder às necessidades da longevidade. Ela parte da compreensão das transformações funcionais, sensoriais e cognitivas que ocorrem com o avanço da idade e propõe soluções espaciais que promovem autonomia, segurança, bem-estar e pertencimento.
Mais do que eliminar barreiras, a geroarquitetura busca construir ambientes afetivos e significativos, que respeitem a identidade e a história de vida da pessoa idosa. Trata-se de uma abordagem interdisciplinar, que dialoga com áreas como a gerontologia, ergonomia, neurociência ambiental e psicologia ambiental, colocando o envelhecer no centro do projeto arquitetônico.
A arquitetura do cuidado não se limita ao espaço físico, mas a uma expressão relacional, que reconhece o outro em sua vulnerabilidade e potência.
Acessibilidade Arquitetônica: Um Direito, Não um Recurso Extra
A acessibilidade arquitetônica é o conjunto de medidas e soluções projetuais que garantem a todas as pessoas, independentemente de idade, condição física ou sensorial, o acesso, a permanência e o uso seguro e autônomo dos espaços construídos.
Ela se baseia nos princípios do Desenho Universal, que propõem que os espaços devem ser usáveis por todos, sem necessidade de adaptação posterior. A NBR 9050 (ABNT, 2020) é a principal referência normativa brasileira sobre o tema, detalhando critérios técnicos para rampas, pisos, portas, sanitários, sinalização, mobiliário e muito mais.
Alguns exemplos de soluções acessíveis:
Rampas com inclinação adequada, corrimãos e pisos antiderrapantes.
Portas com no mínimo 80 cm de vão livre, facilitando o acesso de cadeirantes.
Sinalização tátil e visual, incluindo braile e contraste cromático.
Banheiros adaptados, com barras de apoio e áreas de transferência.
Ambientes Residenciais e Institucionais: Onde a Arquitetura se Torna Cuidado
O lar precisa acompanhar o envelhecimento dos seus moradores. A instalação de barras de apoio, a eliminação de degraus e tapetes soltos, a adoção de iluminação difusa e o reposicionamento de interruptores e armários são estratégias simples que impactam profundamente a segurança e a autonomia.
A arquiteta Rosa Maria Perillo, referência em ambientes para a longevidade, afirma que “a casa deve permitir que o morador siga sendo o protagonista do seu cotidiano, mesmo quando sua funcionalidade se reduz”.
Em instituições:
Hospitais, ILPIs, centros de reabilitação e outros espaços coletivos precisam garantir acessibilidade total — desde a entrada principal até os corredores, quartos e áreas de convivência. Isso inclui mobiliário adaptado, circulação ampla, rotas acessíveis com sinalização clara e ambientes sensorialmente acolhedores (luminosidade, ruído, temperatura).
Além disso, o ambiente institucional precisa estimular a orientação temporal e espacial de seus usuários, o que envolve estratégias como cores diferenciadas, marcadores visuais, relógios e calendários visíveis — fundamentais para pessoas com declínio cognitivo.
Na edição de 2024 do ILPI Expo Forum, nossa cofundadora Ana Paula Neves conversou com Flavia Ranieri, especialista em geroarquitetura, sobre a adaptação de ambientes (considerando aspectos funcionais, sensoriais e cognitivos) para atender às demandas da longevidade.
Construir com e para a Pessoa Idosa
A geroarquitetura propõe mais do que “acessibilidade técnica”. Ela propõe um olhar relacional e inclusivo para o envelhecer, reconhecendo o espaço como elemento terapêutico e promotor de vínculos.
A experiência de morar ou frequentar um local deve ser ao mesmo tempo segura e significativa. Ambientes bem planejados favorecem a autoestima, reduzem o risco de acidentes, estimulam a interação social e apoiam a continuidade da identidade e das rotinas da pessoa idosa.
Um Compromisso com o Presente e o Futuro
Investir em ambientes inclusivos é investir em dignidade, segurança e qualidade de vida. À medida que a população mundial envelhece, cresce também a responsabilidade de arquitetos, engenheiros, gestores públicos e famílias em criar espaços que acolham as diferentes etapas da vida.
Na prática, isso significa aplicar conhecimento técnico com empatia e escuta ativa, respeitando os desejos, histórias e ritmos de quem ali habita.
Como nos lembra a gerontóloga francesa Marie-Françoise Fuchs: “O envelhecimento é um continente inexplorado, e cabe a nós construir as pontes que o conectam ao restante da vida.”
Referenciais e Evidências
Organização Mundial da Saúde (OMS): recomenda ambientes adaptáveis como parte essencial do envelhecimento saudável (WHO, 2015).
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (2020): reafirma a acessibilidade como um direito fundamental no Estatuto da Pessoa Idosa.
ABNT NBR 9050/2020: estabelece os parâmetros técnicos obrigatórios para acessibilidade em edificações, mobiliário e espaços urbanos.
Teorias da habitação gerontológica (Lawton & Nahemow, 1973; Sixsmith, 1986): destacam a importância da correspondência entre competência funcional e demandas ambientais.
- Contribuições teóricas sobre o envelhecimento na perspectiva dos estudos pessoa-ambiente