Paulo Emílio e eu tomávamos café da manhã quando de repente ele contou que tinha em Paris um jovem amigo físico, o Jean Oury que estudava a estrutura da bolha de sabão. Encarei o Paulo com espanto, a estrutura da bolha de sabão?!... Mas a bolha de sabão não tem nenhuma estrutura... Alguns dias depois o nosso gato subiu na minha mesa, acomodou-se no meio da papelada, fez rom rom e fechou os olhos. Pousei a caneta, acariciei-lhe a cabeça e disse baixinho, Não conte a ninguém, mas descobri, a bolha de sabão é o amor.
Lygia Fagundes Telles, na apresentação do livro 'A estrutura da bolha de sabão' (1991, 2010) Tweet
Na série Memórias que Cuidam, revisitamos vidas e obras que transformaram lembranças em permanência — histórias que revelam a maturidade como um território fértil de expressão, sensibilidade e reinvenção.
Nascida em 19 de abril de 1918, em São Paulo, Lygia Fagundes Telles construiu uma das obras mais consistentes e sensíveis da literatura brasileira. Desde cedo, entre o rigor do Direito e o impulso da imaginação, aprendeu a traduzir em palavra as complexidades do humano — seus silêncios, suas memórias, suas ambiguidades.
Em mais de um século de vida, Lygia percorreu o tempo com olhar atento e alma criadora, fazendo da literatura um espaço de escuta e transformação, onde o íntimo e o universal se confundem.
Em livros como Ciranda de Pedra, As Meninas, Antes do Baile Verde e Invenção e Memória, suas personagens — quase sempre mulheres — vivem entre o real e o simbólico, entre a casa e o abismo. São presenças que questionam o papel social, enfrentam o espelho, interrogam o passado e, ao fazê-lo, reinventam o presente.
Enquanto observa o cotidiano, Lygia revela a vertigem: escreve sobre o mistério, o sonho e o inconsciente, transformando lembranças em matéria literária e a memória em forma de permanência.
A maturidade, para Lygia, nunca foi um limite. Em 2016, aos 92 anos, tornou-se a primeira mulher brasileira indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, reconhecimento de uma trajetória marcada pela lucidez, pela delicadeza e pela força criadora. Sua obra nos lembra que o tempo não apaga a voz, apenas a torna mais nítida, mais essencial.
Na Gero360, acreditamos que envelhecer é também um ato de criação. Celebrar Lygia Fagundes Telles é reconhecer que a literatura, como a vida, é feita de camadas de memória, coragem e reinvenção.
Que possamos, como Lygia, transformar o tempo em arte — e a vida, em permanência.
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