Doença de Parkinson na terceira idade: dicas e cuidados

Homem idoso com expressão séria ao centro, com efeitos de movimento borrado dos lados, simbolizando os impactos neurológicos da Doença de Parkinson.

Navegando pela Complexidade do
Parkinson no Envelhecimento

A Doença de Parkinson é uma condição neurológica crônica e progressiva que afeta mais de 10 milhões de pessoas em todo o mundo. Somente nos Estados Unidos, estima-se que quase 1 milhão de pessoas convivam com a doença, número que pode ultrapassar 1,2 milhão até 2030¹. Embora possa surgir em idades mais jovens, sua incidência aumenta significativamente com o envelhecimento, tornando-se um desafio relevante na saúde da população idosa. Viver com Parkinson na terceira idade implica não apenas lidar com os sintomas motores clássicos, mas também com uma gama de sintomas não motores, flutuações terapêuticas e o impacto psicossocial da doença, tudo isso sobreposto às mudanças inerentes ao próprio processo de envelhecer.

Compreender a DP em sua totalidade – desde seus mecanismos fisiopatológicos até suas manifestações clínicas diversas e seu impacto na funcionalidade e qualidade de vida – é o primeiro passo para um cuidado eficaz e humanizado. Mais do que conhecer os sintomas e garantir o acesso ao tratamento, é fundamental promover um debate sobre estratégias de cuidado que preservem a autonomia, favoreçam o bem-estar e assegurem um envelhecimento digno, respeitando a singularidade de cada trajetória.

Este artigo, com o olhar da Gero360, visa oferecer uma visão abrangente sobre a Doença de Parkinson em idosos, abordando diagnóstico, tratamento, manejo de sintomas motores e não motores, e a importância de uma abordagem interdisciplinar e centrada na pessoa.

Desvendando a Doença de Parkinson: Sintomas Motores e Não Motores

A Doença de Parkinson é classicamente definida pela presença de sintomas motores cardinais: bradicinesia (lentidão de movimentos), rigidez muscular (sensação de “roda denteada” ao movimentar as articulações), tremor de repouso (que tipicamente
melhora com o movimento voluntário) e instabilidade postural (desequilíbrio, que geralmente surge em fases mais avançadas). A bradicinesia é considerada o sintoma essencial para o diagnóstico, manifestando-se como dificuldade em iniciar movimentos, redução da amplitude (por exemplo, letra pequena – micrografia) e perda de movimentos automáticos (como o piscar dos olhos ou o balançar dos braços ao caminhar).

No entanto, a DP é muito mais do que uma doença motora. Uma vasta gama de sintomas não motores frequentemente precede ou acompanha os sintomas motores, impactando significativamente a qualidade de vida. Estes incluem: distúrbios do sono (insônia, sonolência diurna excessiva, transtorno comportamental do sono REM – onde a pessoa “atua” seus sonhos), disfunção autonômica (constipação intestinal, hipotensão ortostática, urgência urinária, disfunção erétil), alterações sensoriais (perda ou redução do olfato – hiposmia, dores), sintomas neuropsiquiátricos (depressão, ansiedade, apatia, fadiga, alterações cognitivas que podem evoluir para demência em fases tardias) e problemas de fala e deglutição (voz baixa e monótona – hipofonia, dificuldade para engolir – disfagia). Reconhecer e abordar esses sintomas não motores é tão crucial quanto manejar os sintomas motores para um cuidado verdadeiramente integral.

O Diagnóstico: Clínico, Criterioso e Diferencial

O diagnóstico da Doença de Parkinson permanece eminentemente clínico, baseado na identificação dos sintomas motores característicos (principalmente bradicinesia associada a rigidez e/ou tremor de repouso) e na exclusão de outras condições que podem mimetizar a DP (parkinsonismos secundários ou atípicos). Não existe um exame de sangue ou imagem específico que confirme a doença isoladamente. O médico especialista (neurologista ou geriatra com experiência em distúrbios do movimento) realiza uma avaliação detalhada do histórico do paciente, um exame neurológico minucioso e avalia a resposta do paciente à levodopa (o principal medicamento para DP). Uma boa resposta à levodopa apoia fortemente o diagnóstico de DP idiopática.

Em idosos, o diagnóstico pode ser mais desafiador devido à sobreposição de sintomas com outras condições comuns do envelhecimento (como lentidão por artrose ou depressão, tremor essencial) e à maior frequência de parkinsonismos secundários (induzidos por medicamentos, vasculares) ou atípicos (como a Paralisia Supranuclear Progressiva ou a Atrofia de Múltiplos Sistemas). Exames de imagem cerebral, como a ressonância magnética, podem ser úteis para excluir outras causas, e exames mais específicos, como o SPECT com Trodat (DaTSCAN), podem ajudar a diferenciar a DP de outras condições em casos duvidosos, ao avaliar a integridade do sistema dopaminérgico.

Abordagem Terapêutica: Tratamento Farmacológico e Não Farmacológico

O tratamento da DP visa controlar os sintomas, melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida, mas não cura a doença nem impede sua progressão. A levodopa, um precursor da dopamina (o neurotransmissor deficiente na DP), continua sendo o medicamento mais eficaz para o controle dos sintomas motores, especialmente a bradicinesia e a rigidez. Outras classes de medicamentos, como os agonistas dopaminérgicos, inibidores da MAO-B e inibidores da COMT, também são utilizados, sozinhos ou em combinação com a levodopa, para otimizar o controle sintomático e manejar as complicações motoras que podem surgir com o uso crônico da levodopa (flutuações motoras períodos “on” e “off”, e discinesias – movimentos involuntários).

A escolha do tratamento inicial e os ajustes ao longo do tempo devem ser altamente individualizados, considerando a idade do paciente, a intensidade dos sintomas, o impacto na qualidade de vida, o perfil de efeitos colaterais e as comorbidades. Em idosos, a cautela com doses e a monitorização de efeitos adversos (como hipotensão, alucinações, sonolência) são ainda mais importantes.

Paralelamente ao tratamento medicamentoso, as terapias não farmacológicas são essenciais e devem ser iniciadas precocemente. A fisioterapia é fundamental para melhorar a mobilidade, o equilíbrio, a marcha e a postura, além de prevenir quedas. Exercícios específicos, como os do método LSVT BIG (foco em movimentos amplos), treino de dupla tarefa e exercícios aeróbicos, têm demonstrado benefícios. A fonoaudiologia atua nos problemas de voz (método LSVT LOUD) e deglutição. A terapia ocupacional auxilia na adaptação das atividades de vida diária, no uso de tecnologias assistivas e na modificação ambiental para promover independência e segurança. O acompanhamento nutricional é importante para manejar a constipação, a disfagia e garantir um estado nutricional adequado. O suporte psicológico e, se necessário, o tratamento de sintomas como depressão e ansiedade, são cruciais para o bem-estar emocional.

Cuidado Integral e Interdisciplinar: 5 pilares para promover conforto e bem-estar à pessoa idosa com Parkinson

O manejo eficaz da Doença de Parkinson em idosos exige uma abordagem interdisciplinar e centrada na pessoa, que vá além do controle dos sintomas e foque na promoção da qualidade de vida e na manutenção da autonomia pelo maior tempo possível. Isso envolve a colaboração estreita entre neurologistas, geriatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, nutricionistas, enfermeiros, assistentes sociais, o paciente e sua família/cuidadores.

A seguir, apresentamos cinco pilares fundamentais que, quando integrados à prática assistencial, contribuem significativamente para a promoção da qualidade de vida e do conforto da pessoa idosa com Parkinson:

1. Adaptação do ambiente físico e social

A modificação do ambiente é uma estratégia de intervenção essencial para reduzir riscos e preservar a autonomia funcional. Barreiras arquitetônicas devem ser eliminadas sempre que possível: a instalação de barras de apoio, remoção de tapetes soltos, organização acessível de mobiliário e iluminação adequada são medidas simples, porém eficazes, para prevenção de quedas e acidentes.

No plano social, a adaptação passa pelo acolhimento. Respeitar o tempo, as pausas e os silêncios da pessoa idosa é um gesto terapêutico. A escuta empática e o suporte emocional fortalecem o sentimento de pertencimento e estimulam vínculos que contribuem para o enfrentamento da doença.

 

2. Rotinas que respeitam os limites e promovem autonomia

A estruturação de uma rotina personalizada é um recurso terapêutico que contribui para o bem-estar físico e emocional da pessoa idosa com Parkinson. Estabelecer horários regulares para atividades como alimentação, medicação, exercícios e momentos de lazer ajuda a reduzir o estresse, favorece a aderência ao tratamento e estimula a independência.

Mais do que seguir uma agenda rígida, trata-se de construir um cotidiano significativo, que respeite os limites do corpo, valorize os interesses da pessoa idosa e permita pausas necessárias. A rotina deve ser adaptável, capaz de acolher os dias de maior lentidão sem gerar frustração — e, acima de tudo, deve ser construída em parceria com quem vive a experiência do Parkinson.

 

3. Apoio psicológico e afetivo contínuo

A vivência com Parkinson pode desencadear sentimentos de frustração, isolamento e medo diante da progressão da doença. Assim, o suporte emocional torna-se parte indispensável do cuidado integral.

A psicoterapia, o estímulo à expressão emocional e a manutenção de vínculos afetivos atuam na prevenção de quadros depressivos e ansiosos. O acompanhamento próximo e atento de profissionais e familiares é essencial para que a pessoa idosa se sinta validada em suas experiências e amparada diante das incertezas do diagnóstico.

 

4. Equipe de saúde integrada com escuta ativa

O cuidado à pessoa idosa com Parkinson deve ser conduzido por uma equipe interdisciplinar, composta por profissionais das áreas de neurologia, geriatria, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, entre outras.

A integração entre essas áreas não deve ser apenas técnica, mas também relacional. O trabalho conjunto, baseado na escuta ativa e na construção compartilhada de planos terapêuticos, assegura que as intervenções respeitem os desejos, os limites e o protagonismo da pessoa idosa em seu processo de cuidado.

 

5. Tecnologias assistivas como aliadas do cuidado

As tecnologias assistivas são ferramentas essenciais para a autonomia da pessoa idosa. Talheres adaptados, andadores com suporte postural e softwares de comunicação alternativa são exemplos que atendem às necessidades individuais e promovem mais independência no dia-a-dia.

Na Gero360, compreendemos que a tecnologia deve estar a serviço da humanização do cuidado, integrando-se de forma ética e sensível à rotina da pessoa idosa.

Conclusão: Viver Bem com Parkinson na Terceira Idade

A Doença de Parkinson na terceira idade apresenta desafios únicos, mas com uma abordagem de cuidado abrangente, interdisciplinar e centrada na pessoa, é possível manejar os sintomas, minimizar as complicações e manter uma boa qualidade de vida por muitos anos. O tratamento vai muito além da prescrição de medicamentos; envolve reabilitação contínua, adaptações ambientais, suporte psicossocial e, acima de tudo, o reconhecimento da pessoa por trás do diagnóstico, com suas necessidades, desejos e potencialidades.

Ao unirmos conhecimento técnico, sensibilidade clínica e compromisso ético com a dignidade da pessoa idosa, criamos condições reais para um envelhecimento ativo, participativo e respeitoso — mesmo diante das limitações impostas por uma condição neurológica progressiva.

O cuidado integral não é uma utopia: é uma escolha diária de ver no outro não a doença, mas a pessoa inteira que permanece, sente, deseja e merece ser cuidada com humanidade.

Referências:

Diretrizes e Protocolos Nacionais:

Ministério da Saúde (Brasil). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Doença de Parkinson. Brasília: Ministério da Saúde, 2017. Disponível em: Link

Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Departamento Científico de Transtornos do Movimento. Recomendações do Departamento Científico de Transtornos do Movimento da Academia Brasileira de Neurologia para Doença de Parkinson: diagnóstico, tratamento farmacológico e não farmacológico. 2010. (Embora mais antigo, ainda é uma referência nacional importante. Verificar atualizações no site da ABN, como as diretrizes mencionadas em: Link 

Diretrizes Internacionais e Reabilitação:

Keus, S. H. J., Munneke, M., Graziano, M., et al. (European Physiotherapy Guideline Development Group). European Physiotherapy Guideline for Parkinson’s Disease. KNGF/ParkinsonNet; 2014. (Versão em português disponível em: Link) Bloem, B. R., Okun, M. S., & Lang, A. E. (2021). Parkinson’s disease. The Lancet, 397(10291), 2284-2303 (Artigo de revisão abrangente na The Lancet).

Artigos de Revisão e Manejo Específico:

Postuma, R. B., Berg, D., Stern, M., Poewe, W., Olanow, C. W., Oertel, W., … & Deuschl, G. (2015). MDS clinical diagnostic criteria for Parkinson’s disease. Movement disorders, 30(12), 1591 1601. (Critérios diagnósticos da Movement Disorder Society)

Armstrong, M. J., & Okun, M. S. (2020). Diagnosis and treatment of Parkinson disease: a review. JAMA, 323(6), 548-560. (Revisão sobre diagnóstico e tratamento publicada no JAMA).

Kalia, L. V., & Lang, A. E. (2015). Parkinson’s disease. The Lancet, 386(9996), 896-912. (Outra revisão importante na The Lancet).

Schapira, A. H., Chaudhuri, K. R., & Jenner, P. (2017). Non-motor features of Parkinson disease. Nature Reviews Neuroscience, 18(7), 435-450. (Foco nos sintomas não motores).

Goodwin, V. A., Richards, S. H., Taylor, R. S., Taylor, A. H., & Campbell, J. L. (2008). The effectiveness of exercise interventions for people with Parkinson’s disease: a systematic review and meta-analysis. Movement disorders, 23(5), 631-640. (Revisão sistemática sobre intervenções com exercícios)

Envelhecer com dignidade: um compromisso coletivo

A Doença de Parkinson, com suas múltiplas manifestações clínicas e impactos psicossociais, demanda uma resposta ampla e coordenada de todos os atores envolvidos no cuidado: profissionais, cuidadores, familiares e instituições.

Ao unirmos conhecimento técnico, sensibilidade clínica e compromisso ético com a dignidade da pessoa idosa, criamos condições reais para um envelhecimento ativo, participativo e respeitoso — mesmo diante das limitações impostas por uma condição neurológica progressiva.

O cuidado integral não é uma utopia: é uma escolha diária de ver no outro não a doença, mas a pessoa inteira que permanece, sente, deseja e merece ser cuidada com humanidade.

 

 

Referências:

¹ Parkinsons’s Foundation. Disponível em: https://www.parkinson.org/understanding-parkinsons/statistics

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