Esclerose Múltipla no Envelhecimento: Atenção aos Sinais

Dia Mundial da Esclerose Múltipla

Introdução: Reconhecendo a Esclerose Múltipla Além da Juventude

A Esclerose Múltipla (EM) é frequentemente associada a adultos jovens, sendo uma das principais causas de incapacidade neurológica não traumática nessa faixa etária. No entanto, a realidade da EM no contexto do envelhecimento é uma faceta crescente e complexa da doença. Seja através do diagnóstico em idades mais avançadas (Esclerose Múltipla de Início Tardio – EMIT) ou do processo natural de envelhecimento de pessoas que convivem com a doença há décadas, a EM em idosos apresenta desafios diagnósticos e terapêuticos particulares. Sintomas podem ser erroneamente atribuídos a outras condições comuns da idade, e o manejo exige uma consideração cuidadosa das comorbidades, da polifarmácia e das mudanças fisiológicas inerentes ao envelhecer.

Nem sempre o envelhecimento fala com clareza. Às vezes, tropeça nas palavras. Se cansa cedo demais. Esquece o que antes era simples lembrar. E é nesse espaço sutil entre o normal e o negligenciado que muitas vezes se escondem os primeiros sinais de uma condição neurológica crônica e autoimune como a Esclerose Múltipla. A falta de reconhecimento ou a demora no diagnóstico podem impactar significativamente a qualidade de vida e a progressão da incapacidade. Este artigo, alinhado ao compromisso da Gero360 com o cuidado integral e a informação de qualidade, visa desmistificar a EM no envelhecimento, abordando suas características, os desafios para o diagnóstico e as estratégias de manejo que promovem bem-estar e autonomia.

avaliação neurológica

O que é a Esclerose Múltipla?

A Esclerose Múltipla é uma doença neurológica autoimune e crônica na qual o sistema imunológico do próprio corpo ataca a bainha de mielina, a camada protetora que envolve as fibras nervosas no sistema nervoso central (cérebro, medula espinhal e nervos ópticos). Esse processo inflamatório e desmielinizante causa lesões (placas ou escleroses) que interrompem ou distorcem a comunicação entre o cérebro e o resto do corpo, levando a uma ampla variedade de sintomas neurológicos.

A causa exata da EM ainda não é totalmente compreendida, mas acredita-se que envolva uma combinação de fatores genéticos (predisposição) e ambientais (como infecções virais, baixos níveis de vitamina D, tabagismo) que desencadeiam a resposta autoimune em indivíduos suscetíveis.

Manifestações Clínicas no Idoso

Os sintomas da EM são extremamente variáveis, dependendo da localização e da extensão das lesões no sistema nervoso central. Em idosos, esses sintomas podem ser ainda mais heterogêneos e, crucialmente, podem ser confundidos com outras condições prevalentes no envelhecimento, como doenças cerebrovasculares, osteoartrite, neuropatias periféricas, declínio cognitivo relacionado à idade ou até mesmo efeitos colaterais de medicamentos.

Sintomas comuns que podem surgir ou persistir na EM em idosos incluem:

  • Fadiga intensa: Uma sensação avassaladora de cansaço físico e mental, desproporcional ao esforço realizado, é um dos sintomas mais comuns e incapacitantes da EM em todas as idades.
  • Distúrbios da Marcha e Equilíbrio: Dificuldade para caminhar, instabilidade, rigidez nas pernas (espasticidade) e quedas frequentes são comuns e podem ser erroneamente atribuídas apenas ao envelhecimento ou a problemas articulares.
  • Alterações Sensitivas: Dormência, formigamento, sensação de queimação ou choque (sinal de Lhermitte) em membros ou tronco.
  • Problemas Visuais: Visão turva ou dupla (diplopia), dor ocular e perda de visão (neurite óptica), embora a neurite óptica seja mais comum como sintoma inicial em jovens.
  • Disfunção Urinária e Intestinal: Urgência, frequência ou incontinência urinária, bem como constipação intestinal, são frequentes e impactam a qualidade de vida.
  • Dificuldades Cognitivas: Problemas de memória, atenção, velocidade de processamento e funções executivas podem ocorrer e ser confundidos com demência ou declínio cognitivo leve.
  • Dor: Dores neuropáticas (resultantes de danos nos nervos) ou musculoesqueléticas (secundárias à espasticidade ou alterações posturais).
  • Sintomas Emocionais: Depressão e ansiedade são mais comuns em pessoas com EM do que na população geral.

Na EM de Início Tardio (EMIT), definida geralmente como o início dos sintomas após os 50 anos, é mais comum a apresentação na forma progressiva primária (PPMS), caracterizada por um acúmulo gradual de incapacidade desde o início, sem surtos bem definidos, o que pode dificultar ainda mais o diagnóstico.

esclerose

Desafios Diagnósticos na Terceira Idade

Diagnosticar a EM em idosos representa um desafio significativo. A sobreposição de sintomas com outras doenças, a menor frequência de surtos claros na forma progressiva e a presença de lesões cerebrais na ressonância magnética que podem ser atribuídas a outras causas (como microangiopatia relacionada à idade) complicam o quadro. Os critérios diagnósticos atuais (Critérios de McDonald 2017) são aplicáveis, mas exigem uma interpretação cuidadosa no contexto do envelhecimento.

É essencial realizar um diagnóstico diferencial abrangente, excluindo outras condições neurológicas (doença cerebrovascular, mielopatias compressivas, outras doenças inflamatórias ou infecciosas do SNC) e sistêmicas. A avaliação neurológica detalhada, exames de imagem (ressonância magnética de crânio e medula com contraste), potenciais evocados e, em alguns casos, análise do líquido cefalorraquidiano (líquor) são ferramentas importantes nesse processo.

Manejo Terapêutico: Individualização e Foco na Funcionalidade

O tratamento da EM visa controlar a atividade inflamatória da doença (prevenir surtos e novas lesões), manejar os sintomas e melhorar a qualidade de vida. Em idosos, a abordagem terapêutica precisa ser cuidadosamente individualizada, ponderando os benefícios e riscos das medicações no contexto de comorbidades, polifarmácia e maior vulnerabilidade a efeitos adversos.

  • Terapias Modificadoras da Doença (TMDs): Existem diversas TMDs aprovadas que reduzem a frequência e a gravidade dos surtos e podem retardar a progressão da incapacidade. A decisão de iniciar ou continuar uma TMD em idosos, especialmente naqueles com doença de longa data ou formas progressivas, é complexa e deve ser discutida caso a caso com o neurologista, considerando a atividade da doença, o perfil de segurança do medicamento e as condições gerais de saúde do paciente. O monitoramento de efeitos colaterais e interações medicamentosas é crucial.
  • Manejo dos Surtos: Surtos agudos que causam incapacidade significativa são geralmente tratados com pulsoterapia de corticosteroides.
  • Tratamento Sintomático: O manejo dos diversos sintomas da EM é um pilar fundamental do cuidado. Isso inclui medicamentos para fadiga, espasticidade, dor neuropática, disfunção vesical, depressão, ansiedade, entre outros. A abordagem não farmacológica é igualmente importante.
  • Reabilitação Interdisciplinar: A fisioterapia (para força, equilíbrio, marcha), terapia ocupacional (adaptação de atividades, uso de tecnologias assistivas), fonoaudiologia (fala, deglutição) e neuropsicologia (avaliação e reabilitação cognitiva) são essenciais para maximizar a funcionalidade e a independência.
  • Estilo de Vida: Manter um estilo de vida saudável, com atividade física regular e adaptada, alimentação equilibrada, controle do estresse, sono adequado e cessação do tabagismo, contribui para o bem-estar geral e pode ajudar no manejo de alguns sintomas, como a fadiga.

O Papel da Tecnologia e do Cuidado Integrado

Em ambientes de cuidado prolongado, como as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), a atenção ao detalhe é fundamental. O envelhecimento do sistema imunológico, o acúmulo de comorbidades e as transformações próprias da idade exigem um olhar clínico cuidadoso.

É nesse contexto que a tecnologia se torna uma aliada poderosa. A Gero360, com seu sistema integrado de gestão para ILPIs e o aplicativo Leve by Gero oferece ferramentas que organizam e analisam dados clínicos, funcionais e comportamentais. Esses registros, quando contínuos e estruturados, ajudam a reconhecer padrões, antecipar mudanças e identificar precocemente alterações neurológicas como as da Esclerose Múltipla.

Transformar dados em decisões é, também, transformar cuidado em presença.

Porque agir com precisão, personalização e responsabilidade é mais do que um protocolo, é um compromisso com o envelhecer digno e respeitado.

Conclusão: Um Olhar Atento para um Envelhecer com Qualidade

A Esclerose Múltipla no envelhecimento é uma realidade que exige maior conscientização e um olhar clínico mais atento por parte de profissionais de saúde, cuidadores e familiares. Normalizar sintomas neurológicos ou atribuí-los apressadamente apenas à idade pode levar a atrasos diagnósticos e a um manejo inadequado, comprometendo a qualidade de vida. Reconhecer os sinais, buscar avaliação especializada e implementar uma abordagem de cuidado integral, que combine tratamento medicamentoso individualizado, reabilitação contínua e suporte psicossocial, é fundamental.

Neste contexto, a informação de qualidade e a tecnologia surgem como ferramentas poderosas para transformar dados em decisões de cuidado mais assertivas e humanizadas. O compromisso com um olhar atento e uma escuta empática permite não apenas identificar a doença, mas, principalmente, cuidar da pessoa em sua integralidade, promovendo um envelhecer com mais dignidade, autonomia e bem estar, mesmo diante dos desafios impostos pela Esclerose Múltipla.

Neste Dia Mundial da Esclerose Múltipla, o convite é simples e urgente: olhe mais de perto, escute com atenção e não normalize o que merece ser investigado.

Referências:

Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Revisão de critérios diagnósticos à esclerose múltipla. 2022. Disponível em: Link

https://www.einstein.br/n/glossario-de-saude/esclerose-multipla-em/

https://spem.pt/dia-mundial-da-esclerose-multipla-2025/

https://www.nationalmssociety.org/

https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/20220201_portal_portaria_conjunta_1_pcdt_esclerose_multipla.pdf

 

Artigos de Revisão e Manejo Específico em Idosos:

Sanai, S. A., Saini, V., & Fox, R. J (2016). Management of multiple sclerosis in the older adult. Current treatment options in neurology, 18(8), 1-16. Ontaneda, D., & Fox, R. J. (2015). Progressive multiple sclerosis. Current opinion in neurology, 28(3), 237-243. (Foco na forma progressiva, mais comum em início tardio).

Cortese, M., Munger, K. L., & Ascherio, A. (2019). Vitamin D, Epstein-Barr virus, and clinical course of multiple sclerosis. Neurology, 92(10), e1080 e1088. (Aborda fatores ambientais relevantes).

 

Sobre Sintomas e Qualidade de Vida:

Patti, F. (2010). Optimizing the management of multiple sclerosis: the role of symptomatic treatment. Therapeutic advances in neurological disorders, 3(4), 237-247. (Foco no tratamento sintomático).

Motl, R. W., & Gosney, J. L. (2008). Effect of exercise training on quality of life in multiple sclerosis: a meta analysis. Multiple Sclerosis Journal, 14(1), 129-135. (Meta-análise sobre exercício físico)

Sobre a Gero360

Nosso propósito é aliar conhecimento e tecnologia para inspirar indivíduos, estimular comportamentos e relacionamentos voltados para o cuidar de si e para o cuidar do outro com simplicidade, dedicação e amor.

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