O envelhecimento é um processo natural e multifacetado, que se expressa de forma singular em cada indivíduo. Mais do que uma contagem de anos, o envelhecer com qualidade está profundamente relacionado à preservação da autonomia e da independência. Nesse cenário, a avaliação funcional assume um papel central, consolidando-se como instrumento indispensável na prática da geriatria e da gerontologia contemporâneas.
Em seu artigo sobre Avaliação Funcional, publicado no livro Formação Humana em Geriatria e Gerontologia, o Dr. Virgilio Garcia Moreira, médico geriatra e sócio da Gero360, enfatiza a importância de mensurar, de maneira objetiva, os diferentes níveis de funcionamento de uma pessoa idosa. Segundo ele, a funcionalidade abrange dimensões que vão além do corpo físico: incluem a automanutenção, o desempenho de papéis sociais, as capacidades cognitivas, as interações sociais e o bem-estar emocional. Essa abordagem ampliada reforça que a avaliação funcional não se restringe à detecção de doenças, mas centra-se na capacidade de o idoso viver de forma plena em seu contexto.
Para o Dr. Garcia, distinguir os aspectos do envelhecimento fisiológico e patológico é essencial para orientar intervenções e promover reabilitação. A avaliação funcional, portanto, não apenas identifica limitações, mas quantifica o grau de autonomia nas atividades diárias, permitindo monitoramento contínuo e a construção de estratégias de cuidado personalizadas. É essa perspectiva que confere à geriatria sua identidade como especialidade médica integral, marcada por uma visão holística da saúde e da longevidade.
A Importância da Avaliação Funcional para a Longevidade
A capacidade funcional é um dos principais indicadores de saúde e bem-estar na população idosa. Sua perda não apenas eleva o risco de mortalidade, como também está associada a um aumento nas hospitalizações, nos custos com cuidados de saúde e no impacto emocional e prático sobre familiares e cuidadores. Monitorar essa capacidade, portanto, é essencial para promover um envelhecimento ativo e com qualidade.
No artigo do Dr. Virgilio Garcia Moreira, destaca-se que a prevalência da dependência funcional cresce com a idade — e é especialmente significativa entre as mulheres. Fatores biopsicossociais, somados às limitações funcionais, contribuem para uma maior incidência de quedas, institucionalizações, infecções e óbitos. Esses dados reforçam a urgência de uma avaliação funcional contínua, sistemática e abrangente, capaz de antecipar riscos e orientar estratégias preventivas eficazes.
Para o público não especializado, é importante compreender que a avaliação funcional permite medir o quanto uma pessoa idosa consegue realizar, de forma independente, tarefas do cotidiano — como se alimentar, tomar banho, vestir-se, ou até gerenciar suas finanças e utilizar o telefone. Trata-se, portanto, de um indicador direto da autonomia e da capacidade de manter uma vida digna.
Já para as equipes de saúde, a avaliação funcional fornece subsídios objetivos para o planejamento de intervenções, o acompanhamento da evolução clínica e o ajuste contínuo dos planos de cuidado. Quando bem aplicada, contribui para preservar a funcionalidade pelo maior tempo possível, promovendo não apenas longevidade, mas também qualidade de vida.

Domínios da Avaliação Funcional: ABVDs, AIVDs e Mobilidade
A avaliação funcional em geriatria e gerontologia estrutura-se em três domínios centrais: Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs), Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs) e Mobilidade. Esses eixos permitem uma compreensão ampla e sistemática da autonomia do idoso, oferecendo subsídios para intervenções direcionadas e planejamento do cuidado.
Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs)
As ABVDs correspondem às tarefas mais elementares para o autocuidado e a manutenção da vida. Incluem ações como tomar banho, vestir-se, alimentar-se, utilizar o vaso sanitário, realizar transferências (como passar da cama para uma cadeira) e manter a continência urinária e fecal. A perda de autonomia em qualquer uma dessas atividades indica um alto grau de dependência funcional e exige atenção imediata. A avaliação das ABVDs é essencial para identificar o nível de apoio necessário e orientar a tomada de decisões clínicas e sociais.
Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs)
As AIVDs englobam tarefas mais complexas, necessárias para que o idoso mantenha uma vida independente e ativa em seu meio. Envolvem habilidades como fazer compras, preparar refeições, gerenciar dinheiro, administrar medicamentos, utilizar o telefone, cuidar da casa e se locomover na comunidade por meio de transporte. A capacidade de executar essas atividades é um forte indicador da autonomia e da possibilidade de viver sozinho, sem supervisão contínua. Sua avaliação fornece um retrato funcional mais refinado e sensível às mudanças cognitivas e sociais.
Mobilidade
O domínio da mobilidade refere-se à capacidade de deslocamento e equilíbrio corporal. Compreende ações como caminhar, subir e descer escadas, manter o equilíbrio em pé e realizar transferências seguras. Alterações na mobilidade estão diretamente associadas ao risco de quedas — uma das principais causas de perda de funcionalidade, hospitalizações e institucionalização em idosos. Avaliar esse aspecto é fundamental para a prevenção de eventos adversos e para a manutenção da independência motora.
Instrumentos de Avaliação: Escalas de Katz, Barthel e Lawton
A avaliação funcional exige instrumentos que traduzam percepções subjetivas em dados objetivos, viabilizando diagnósticos precisos e decisões clínicas fundamentadas. Diversas escalas foram desenvolvidas com esse propósito, e entre as mais utilizadas estão as Escalas de Katz, Barthel e Lawton — citadas pelo Dr. Virgilio Garcia Moreira em seu artigo e amplamente reconhecidas na literatura geriátrica.
Escala de Katz
Proposta em 1963, a Escala de Katz é empregada para avaliar as Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs), classificando o grau de independência do idoso a partir de seis funções fundamentais: tomar banho, vestir-se, usar o vaso sanitário, realizar transferências, manter a continência e alimentar-se. A pontuação varia de 0 (independência total) a 6 (dependência total).
Embora seja de fácil aplicação e bastante prática no contexto clínico, a escala apresenta como principal limitação a ausência da avaliação da deambulação. No Brasil, a Escala de Katz conta com adaptação transcultural, o que facilita sua incorporação em serviços de saúde e pesquisas locais.
Índice de Barthel
Inicialmente desenvolvido para avaliar pacientes com acidente vascular encefálico, o Índice de Barthel consolidou-se como uma ferramenta robusta para mensurar a independência funcional em idosos de maneira mais abrangente. Ele avalia dez funções — incluindo higiene pessoal, uso do vaso sanitário, transferências, alimentação, deambulação e mobilidade em escadas — com pontuações que variam de 0 (dependência total) a 100 (independência máxima).
O índice permite uma gradação mais refinada dos níveis de dependência, sendo validado para uso com idosos em diferentes contextos de cuidado, inclusive em atendimentos ambulatoriais no Brasil. Sua sensibilidade o torna útil tanto para avaliação pontual quanto para monitoramento longitudinal.
Escala de Lawton
A Escala de Lawton, desenvolvida em 1969, é uma das principais ferramentas para avaliação das Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs). Ela examina habilidades como uso do telefone, preparo de refeições, administração de medicamentos e finanças, cuidados com a casa, utilização de transporte e realização de compras. A pontuação varia entre 9 (maior dependência) e 27 (maior independência).
Apesar de sua ampla utilização, a Escala de Lawton ainda não possui validação universal para o contexto brasileiro, o que exige cautela em sua aplicação e interpretação. Mesmo assim, é uma referência valiosa para identificar alterações mais sutis na funcionalidade, muitas vezes associadas a declínios cognitivos iniciais.

Considerações Finais e a Importância da Abordagem Multidisciplinar
A avaliação funcional, conforme destacado pelo Dr. Virgilio Garcia Moreira e respaldado pela literatura especializada, representa um recurso essencial para qualificar o cuidado à pessoa idosa. No entanto, sua eficácia depende de uma aplicação criteriosa, que leve em conta tanto a singularidade de cada paciente quanto a robustez metodológica de cada instrumento utilizado. Analisar os pontos fortes e limitações das escalas disponíveis é indispensável para garantir avaliações pertinentes, sensíveis e contextualizadas.
Embora essas ferramentas sejam valiosas para quantificar a funcionalidade e identificar precocemente disfunções, elas não substituem a observação clínica atenta nem o julgamento de profissionais experientes. A avaliação funcional deve ser integrada a uma abordagem geriátrica ampla, que considere as múltiplas dimensões da vida do idoso — física, mental, social e ambiental. Essa perspectiva ampliada é fundamental para construir planos de cuidado individualizados, voltados à preservação da autonomia e à promoção de uma longevidade com qualidade.
Para o público em geral, compreender o papel da avaliação funcional significa reconhecer um instrumento que traduz, em termos práticos, os impactos do envelhecimento sobre a vida cotidiana. Essa compreensão permite que familiares e cuidadores ofereçam suporte mais adequado e busquem, junto às equipes de saúde, intervenções que preservem ou restabeleçam a funcionalidade.
Já para os profissionais que compõem as equipes multidisciplinares, a avaliação funcional constitui a base de um trabalho integrado e eficaz. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais devem atuar de forma coordenada, com um objetivo comum: garantir que cada idoso tenha acesso a um cuidado que respeite sua história, preserve sua dignidade e valorize sua capacidade de viver com independência pelo maior tempo possível.
Conheça a Gero360 na prática
Com o sistema de gestão da Gero360, você tem acesso a uma Central do Conhecimento exclusiva, com conteúdos formativos voltados à capacitação da equipe multiprofissional, incluindo videoaulas sobre avaliações funcionais e aplicações de testes. Além disso, nossa plataforma oferece análises de dados integradas que apoiam o planejamento do cuidado e fortalecem a tomada de decisões clínicas e gerenciais.
📅 Agende uma demonstração gratuita e descubra como a Gero360 pode impulsionar a qualidade assistencial da sua instituição.Referências:
Sanchez, Maria Angélica; Veras, Renato Peixoto; Lourenço, Roberto Alves. Formação Humana em Geriatria e Gerontologia. SP: Thieme Revinter, 2019.
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Avaliação Geriátrica Ampla (AGA). Disponível em: Link