O Cafezinho nosso de cada dia sob a lente da Gerontologia
O café, essa bebida tão arraigada na cultura brasileira e global, transcende seu papel como simples estimulante matinal. Para muitos, representa um ritual social, um momento de pausa e prazer. Nas últimas décadas, a ciência tem se debruçado sobre seus componentes e potenciais efeitos na saúde, gerando um interesse particular sobre seu impacto no processo de envelhecimento. Entre promessas de proteção cognitiva e alertas sobre riscos cardiovasculares, como podemos navegar pelas evidências e entender o verdadeiro papel do café na saúde da pessoa idosa? É o café um aliado ou um vilão na busca por uma longevidade saudável?
Este artigo propõe uma análise equilibrada e baseada em evidências sobre o consumo de café na terceira idade. Exploraremos seus principais compostos bioativos, discutiremos os potenciais benefícios para a saúde cognitiva e cardiometabólica, mas também abordaremos os riscos, as contraindicações e a importância crucial da individualização. Com o olhar da Gero360, buscamos oferecer informações claras e confiáveis para que idosos, familiares e cuidadores possam tomar decisões conscientes sobre o consumo dessa bebida tão popular, sempre em diálogo com profissionais de saúde.
Os Principais Compostos Bioativos do Café
O café é uma bebida complexa, contendo centenas de compostos químicos. Os mais estudados e relevantes para a saúde são a cafeína, um alcaloide estimulante do sistema nervoso central, e uma vasta gama de polifenóis, com destaque para os ácidos clorogênicos. Esses compostos conferem ao café propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias significativas. Os antioxidantes combatem os radicais livres, moléculas instáveis que causam danos celulares (estresse oxidativo) e estão implicadas no processo de envelhecimento e no desenvolvimento de diversas doenças crônicas. A ação anti-inflamatória, por sua vez, pode ajudar a modular processos inflamatórios de baixo grau, comuns na velhice e associados a doenças cardiovasculares, neurodegenerativas e metabólicas.
A cafeína atua principalmente bloqueando os receptores de adenosina no cérebro. A adenosina é um neurotransmissor que promove o sono e o relaxamento; ao bloqueá-la, a cafeína aumenta o estado de alerta, a concentração e pode melhorar o humor e o desempenho cognitivo temporariamente. Já os ácidos clorogênicos e outros polifenóis parecem ter efeitos benéficos no metabolismo da glicose, na função endotelial (a saúde da camada interna dos vasos sanguíneos) e na proteção contra danos celulares.
Entre os principais benefícios para a saúde na terceira idade, destacam-se:
- Redução do estresse oxidativo: Previne danos às células e tecidos, retardando o envelhecimento celular.
- Melhora da função cognitiva: Ajuda a preservar a memória e as funções executivas do cérebro.
- Estímulo à vigilância e atenção: A cafeína melhora a capacidade de concentração e o estado de alerta.
- Proteção contra doenças neurodegenerativas: Pode ajudar a reduzir o risco de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas.
- Regulação do metabolismo da glicose: Auxilia na manutenção de níveis saudáveis de açúcar no sangue.
Esses efeitos são especialmente significativos para os idosos, que estão mais expostos a riscos de doenças como Alzheimer, diabetes e hipertensão.
Café e Função Cognitiva em Idosos
A preservação da função cognitiva na terceira idade é uma preocupação crescente, e o café pode desempenhar um papel crucial nesse processo. A cafeína, um dos compostos bioativos mais notáveis da bebida, possui efeitos protetores sobre o cérebro, auxiliando na preservação da memória e das funções executivas. Além disso, os polifenóis e outros antioxidantes presentes no café combatem o estresse oxidativo, um fator determinante no surgimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer.
Um estudo realizado em 2015, publicado no Journal of Alzheimer’s Disease, revelou que idosos que consumiam entre uma e duas xícaras de café por dia apresentaram menor risco de desenvolver comprometimento cognitivo leve, um precursor da demência¹. De maneira semelhante, uma pesquisa longitudinal publicada em 2016 na Nutrition observou que o consumo elevado de café estava associado a uma redução de 27% no risco de Alzheimer².
Esses achados indicam que, embora o consumo diário de café não esteja diretamente ligado à prevenção global do declínio cognitivo, há indícios de benefícios do café para longevidade cognitiva, especialmente na redução do risco de Alzheimer. O potencial neuroprotetor da bebida pode estar relacionado à ação da cafeína e de antioxidantes sobre os mecanismos de inflamação e estresse oxidativo, frequentemente envolvidos na fisiopatologia das demências.
No entanto, é crucial interpretar esses achados com cautela. A maioria dos estudos são observacionais, o que significa que eles mostram associações, mas não podem provar causalidade definitiva. Fatores de estilo de vida associados ao consumo de café também podem influenciar os resultados. Além disso, a resposta individual à cafeína varia, e o consumo excessivo pode levar à ansiedade, agitação e distúrbios do sono, que por si só prejudicam a cognição.
Portanto, embora as evidências sejam encorajadoras, o café não deve ser visto como uma “cura” ou “prevenção garantida” para doenças neurodegenerativas, mas sim como um componente de um estilo de vida saudável que pode contribuir para a saúde cerebral.
Coração e Metabolismo: O Impacto do Café na Saúde Cardiometabólica
Historicamente, o café foi visto com desconfiança em relação à saúde cardiovascular. No entanto, pesquisas mais recentes têm desafiado essa visão, sugerindo que o consumo
moderado pode, na verdade, ser neutro ou até benéfico para o coração e o metabolismo. Estudos associam o consumo regular de café a um menor risco de desenvolver diabetes tipo 2, possivelmente devido à melhora na sensibilidade à insulina e ao metabolismo da glicose promovida pelos ácidos clorogênicos.
Em relação à saúde cardiovascular, as evidências são mais complexas. Enquanto o consumo agudo de cafeína pode elevar temporariamente a pressão arterial, estudos de longo prazo não mostram, em geral, um aumento significativo no risco de hipertensão sustentada com o consumo moderado de café coado. Algumas pesquisas até sugerem uma leve proteção contra AVC e certas doenças cardíacas, atribuída aos efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios. Contudo, a forma de preparo importa: cafés não filtrados (como o expresso ou o de prensa francesa) contêm diterpenos (cafestol e caveol) que podem elevar os níveis de colesterol LDL (“ruim”) em algumas pessoas. Além disso, a resposta da pressão arterial à cafeína é individual, e pessoas com hipertensão não controlada ou arritmias devem ter cautela.
Em linhas gerais, a ingestão moderada de café pode favorecer:
- Redução do risco de diabetes tipo 2: O café pode melhorar a sensibilidade à insulina, reduzindo o risco de desenvolver diabetes.
- Melhora da sensibilidade à insulina: A ingestão regular de café pode ajudar na regulação do açúcar no sangue.
- Redução de marcadores inflamatórios: Os compostos antioxidantes do café combatem a inflamação, que é um fator de risco para várias doenças crônicas.
- Proteção contra acidente vascular cerebral (AVC) e doenças isquêmicas: O café tem um efeito benéfico na saúde vascular, reduzindo o risco de doenças cardiovasculares.
Embora os benefícios do café na terceira idade sejam claros, é importante lembrar que o consumo deve ser moderado e ajustado às necessidades de saúde de cada indivíduo. Em certas condições, como hipertensão não controlada, insônia ou arritmias cardíacas, é essencial monitorar a ingestão de café com cautela.
Moderação e Individualização: Quando o Café Exige Atenção
Apesar dos potenciais benefícios, o consumo de café não é isento de riscos e não é adequado para todos os idosos. A moderação é a palavra-chave. O consumo excessivo de cafeína (geralmente considerado acima de 400 mg por dia, o equivalente a cerca de 4 xícaras de café coado, mas variável individualmente) pode causar efeitos adversos como insônia, ansiedade, nervosismo, palpitações, tremores e desconforto gastrointestinal.
Idosos podem ser mais sensíveis aos efeitos da cafeína devido a alterações no metabolismo e maior prevalência de condições de saúde. Situações que exigem cautela ou mesmo a evitação do café incluem:
- Distúrbios do Sono: A cafeína tem uma meia-vida longa (várias horas) e pode interferir significativamente no sono, especialmente se consumida à tarde ou à noite. A privação crônica de sono tem inúmeros efeitos negativos na saúde do idoso.
- Hipertensão Arterial Não Controlada: Embora o consumo moderado a longo prazo possa não ser problemático para a maioria, a resposta aguda pode ser significativa em quem já tem pressão alta e não está bem controlada.
- Arritmias Cardíacas: A cafeína pode desencadear ou piorar certos tipos de arritmias em indivíduos suscetíveis.
- Refluxo Gastroesofágico ou Gastrite: O café pode aumentar a acidez gástrica e relaxar o esfíncter esofágico inferior, piorando os sintomas em algumas pessoas.
- Ansiedade: Os efeitos estimulantes da cafeína podem exacerbar sintomas de ansiedade.
- Interações Medicamentosas: A cafeína pode interagir com diversos medicamentos, como alguns antibióticos, anticoagulantes, broncodilatadores e medicamentos para osteoporose, alterando sua absorção, metabolismo ou eficácia. É fundamental conversar com o médico ou farmacêutico sobre possíveis interações.
Além disso, a adição de açúcar, cremes ou xaropes ao café pode anular muitos dos seus potenciais benefícios, adicionando calorias vazias e contribuindo para problemas metabólicos. A preferência deve ser pelo café puro ou com adoçantes não calóricos, se necessário.
Se você possui uma dessas condições, é essencial buscar a orientação de um médico para avaliar a quantidade segura de café que pode ser consumida.

Conclusão: O Café Como Aliado na Longevidade Saudável
O café pode ser um aliado importante na promoção da longevidade saudável. Seus compostos bioativos oferecem vantagens importantes para a saúde cerebral, cardiovascular e metabólica, ajudando a prevenir o declínio cognitivo, melhorar a saúde do coração e regular o metabolismo na terceira idade. No entanto, como qualquer outro alimento ou bebida, o café deve ser consumido de forma moderada e em conformidade com as condições de saúde individuais.
Na Gero360, acreditamos que escolhas conscientes, como o consumo moderado de café, podem ter um impacto significativo na promoção de uma longevidade ativa e saudável. Fomentar hábitos que favoreçam o envelhecimento saudável é uma estratégia fundamental para garantir uma vida longa e com qualidade.

Referências:
¹ Koreki, A., Nozaki, S., Shikimoto, R., Tsugane, S., Mimura, M., & Sawada, N. (2016). A longitudinal cohort study demonstrating the beneficial effect of moderate consumption of green tea and coffee on the prevention of dementia: The JPHC Saku Mental Health Study. Journal of Alzheimer’s Disease, Volume 103, Number 2, 2025.
² Qing-Ping Liu 1, Yan-Feng Wu 1, Hong-Yu Cheng 2, Tao Xia 3, Hong Ding 4, Hui Wang 4, Ze-Mu Wang 5, Yun Xu. Habitual coffee consumption and risk of cognitive decline/dementia: A systematic review and meta-analysis of prospective cohort studies. Nutrition, . 2016 Jun;32(6):628-36. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26944757/
Sobre Café, Cognição e Doenças Neurodegenerativas:
Nehlig, A. (2016). Effects of coffee/caffeine on brain health and disease: What should I tell my patients?. Practical Neurology, 16(2), 89-95. (Revisão sobre os
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Wierzejska, R. (2017). Can coffee consumption be a factor in preventing the development of Alzheimer’s disease?. Archives of Medical Science: AMS, 13(3), 507. (Foco específico na Doença de Alzheimer).
Santos, C., Costa, J., Santos, J., Vaz-Carneiro, A., & Lunet, N. (2010). Caffeine intake and dementia: systematic review and meta-analysis. Journal of Alzheimer’s Disease, 20(s1), S187-S204. (Revisão sistemática e meta-análise mais antiga, mas relevante sobre demência).
Sobre Café, Saúde Cardiovascular e Metabólica:
Poole, R., Kennedy, O. J., Roderick, P., Fallowfield, J. A., Hayes, P. C., & Parkes, J. (2017). Coffee consumption and health: umbrella review of meta-analyses of observational studies. BMJ, 359. (Ampla revisão sobre múltiplos desfechos de saúde).
Crippa, A., Discacciati, A., Larsson, S. C., Wolk, A., & Orsini, N. (2014). Coffee consumption and mortality from all causes, cardiovascular disease, and cancer: a dose-response meta-analysis. American journal of epidemiology, 180(8), 763-775. (Meta-análise sobre mortalidade).
Considerações Gerais e Segurança:
Wikoff, D., Welsh, B. T., Henderson, R., Brorby, G. P., Britt, J., Myers, E., … & Doepker, C. (2017). Systematic review of the potential adverse effects of caffeine consumption in healthy adults, pregnant women, adolescents, and children. Food and Chemical Toxicology, 109, 585-648. (Revisão sistemática focada em efeitos adversos)