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Cuidador familiar: alguém que precisa de cuidados

Ana Paula Neves em 28/03/2019

Neste artigo, Maria Angélica Sanchez discorre sobre a imensa responsabilidade do cuidador familiar e sobre como suas demandas raramente são levadas em consideração. Ela alerta para a importância de cuidar de quem cuida.

 

O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado.
Cuidar é mais que um ato, é uma atitude.
Abrange mais que um momento de atenção
Representa uma atitude de ocupação, preocupação,
de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro
(Leonardo Boff)

 

Com o aumento da prevalência das demências, as famílias se veem envoltas numa teia de relações que as tomam sem que percebam a situação. Geralmente, ninguém escolhe ser cuidador familiar. Um belo dia aquela pessoa que estava ali por perto, ajudando nas tarefas diárias, se descobre como a principal responsável pelos cuidados de um novo indivíduo. Muitas vezes, com alterações de comportamento importantes e capazes de gerar inúmeros conflitos. Como resultado, fazem emergir uma série de sentimentos nunca antes experimentados. Eles surgem numa sequência abstrata e a cada dia vão se transformando em algo concreto e difícil de lidar.

É comum que as famílias passem por um sentimento de negação, sempre reforçando que não se trata de demência. Por isso, acreditam que aquele ente querido está “apenas esquecendo pequenos atos” e consideram isso normal. Em seguida, se veem diante de alguma situação mais complexa, até que recebem o diagnóstico dessa tão terrível e temida doença. Porém, quando essa notícia chega, as pessoas precisam cuidar e, na maioria das vezes, elas não estão preparadas para a tarefa.

 

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cuidador familiar

Outros sentimentos começam a tomar parte da vida: a raiva, o medo, e a angústia. Estão diante do desconhecido. “Não! Essa não é aquela pessoa que eu conheci, que me ensinou sobre a vida. Quem é essa pessoa tão frágil, tão dependente de cuidados?”

O desconhecimento sobre a doença é capaz de produzir um imenso desgaste. Muitos não conseguem acreditar que determinado comportamento não é proposital. É comum ouvir frases de familiares tais como: “ela esquece quando é conveniente”.  “Ela só escuta o que quer”. “Ela faz isso de propósito, só para me irritar”. É o exercício diário da paciência. E, quando o afeto é escasso e as relações ao longo da vida foram conflituosas, a situação é muito pior.

 

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“Não escolhi ser cuidador familiar…”

O cuidador familiar assume uma responsabilidade imensa, e suas demandas raramente são levadas em consideração. A legislação é cruel! O cuidado é obrigação. Está na constituição, no Estatuto do Idoso, no Código penal. Contudo, não são postos a serviço desse familiar qualquer possibilidade de apoio, de política pública, de respiro. A esse familiar que cuida cabem apenas obrigações. Por isso, para grande parte dos cuidadores familiares, esse caminho é percorrido de forma solitária. Muitos afetam sua vida pessoal e social. Muitos adoecem, ficam deprimidos. E, alguns até se vão antes da pessoa que estão cuidando.

É preciso um novo olhar. Em primeiro lugar, o cuidador familiar precisa de um momento para organizar a vida. Precisa de ajuda para reestruturar a rotina diária, aprender a se defender das armadilhas impostas pela sobrecarga decorrente do ato de cuidar, ser avaliado por um profissional que o ajude a construir uma forma de viver harmoniosamente com esse novo ser que é acometido por uma doença, até o momento progressiva e irreversível.

 

Maria Angélica Sanchez é especialista em Gerontologia pela SBGG; Doutora em Ciências – FCM/UERJ; Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Envelhecimento Humano – Geronlab/Uerj e Coordenadora da Geriatre