O mês de março é marcado por duas datas comemorativas que, para muitas pessoas, não possuem uma associação direta: o Dia Internacional da Mulher e o Dia Nacional do Cuidado. No entanto, para quem lida com os desafios de cuidar de um ente querido, estas datas possuem uma forte relação. Afinal, historicamente no Brasil, o ato de cuidar de um familiar dependente tem sido exercido predominantemente pelas mulheres.
Este histórico deriva de um tempo em que o arranjo doméstico mais comum era o de mulheres exercendo papéis relacionados aos cuidados da família e do lar, enquanto os homens, papéis relacionados à garantia dos recursos financeiros para o sustento da casa. O cenário mudou. Atualmente, já é consenso que as mulheres assumiram novos papéis e que, em muitos casos, cabe unicamente a elas a responsabilidade pelo sustento da família.
Diante deste cenário, a Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista (SOF) realizou uma pesquisa para avaliar os impactos da disseminação do novo coronavírus (covid-19) na rotina das mulheres brasileiras. A pesquisa teve como foco as mudanças no trabalho e na inserção econômica das brasileiras. Seus resultados indicam que metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém na pandemia.
Adicionalmente, a pesquisa mostra que, para 72% das mulheres entrevistadas, a necessidade de monitoramento e/ou de companhia para um ente querido também aumentou. Principalmente, nos casos relacionados ao cuidar de crianças; de idosos dependentes ou de pessoas com deficiência. Vale ressaltar que, em ambientes familiares, nem sempre o cuidado é reconhecido como uma atividade específica. Assim, esta função acaba sendo exercida em paralelo a outras ocupações das mulheres, como o trabalho remunerado.
Exaustão: o desgaste e a sobrecarga
Embora a pesquisa citada acima seja referente ao ano de 2020, não é de hoje que as mulheres sofrem com jornadas duplas e triplas de trabalho, combinando a vida profissional, o cuidado familiar e as atividades domésticas. Dentre as entrevistadas, 42% disseram que já cuidavam de alguém antes da pandemia. E, para a maioria delas, a falta de apoio externo para o cuidado é uma realidade antiga.
A pandemia do novo coronavírus deixou mais nítida a desigualdade de divisão de tarefas entre os sexos e acentuou a sobrecarga causada pelo acúmulos de tarefas pelas mulheres. Conforme mencionamos no texto Mulher idosa no Brasil: um desafio?, a responsabilidade pela casa e pelos familiares ao longo da vida fez com que as muitas mulheres dedicassem quase o dobro de tempo a atividades domésticas e ao cuidado de outras pessoas, resultando na jornada dupla de trabalho e no desgaste físico e emocional.
Assim, fica fácil compreender a relação entre exaustão, mulher e cuidado. Muitas mulheres que possuem a responsabilidade de cuidar de um ente querido sofrem frequentemente de depressão; de estresse e de ansiedade. Ao mesmo tempo em que deixam de lado projetos pessoais; atividades de lazer e de autocuidado. Em alguns casos, deixam de lado até a própria profissão. Por consequência, sofrem com prejuízos em sua qualidade de vida atual e futura.
A feminização do cuidado
Apesar de o movimento feminista ter se debruçado, durante décadas, na luta pela igualdade de oportunidades, essas definições sociais continuam muito presentes na ação dos indivíduos, manifestando-se na rotina de diversas mulheres que são responsabilizadas pelo cuidado daqueles em situação de fragilidade ou que necessitam de algum nível de proteção.
De forma prática, a mulher nas suas condições de esposa/companheira, filha, mãe, tia ou avó, em muitos casos, é levada a cuidar do membro familiar adoecido; que requer atenção ou, ainda, que está passando por uma fase de dificuldades.
Como ajudar a mulher responsável pelo cuidado?
Como mencionamos no texto “O cuidador: quem é essa pessoa e como ajudá-la?”, grande parte dos cuidadores são familiares não-remunerados, que prestam cuidados em período integral ou meio período. Além disso, segundo o estudo “Tempo de Cuidar”, desenvolvido pela Oxfam, as mulheres são responsáveis por mais de 3/4 do cuidado não remunerado e compõem 2/3 da força de trabalho envolvida em atividade de cuidado remuneradas.
Relembrando alguns números divulgados pela SBGG-SP no texto “Saúde do cuidador em foco” sobre a realidade do cuidador:
- Estima-se que 80% dos cuidadores cumprem essa função diariamente, numa rotina que envolve não apenas os cuidados pessoais do paciente mas também tarefas domésticas.
- 37% dos cuidadores estão envolvidos na administração de medicamentos, injeções e tratamentos médicos para o paciente
- Estima-se que 26% dos cuidadores gastem até 10% de sua renda mensal em itens relacionados ao cuidado.
Neste sentido, a mulher responsável pelo cuidado precisa de ajuda para reestruturar a rotina diária; se defender da sobrecarga decorrente do ato de cuidar; ter ao seu alcance serviços que ofereçam possibilidades de apoio, de política pública; e, principalmente, ter uma rede de apoio na qual possa dividir as responsabilidades deste cuidado.
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Referências:
- Metade das mulheres passou a cuidar de alguém na pandemia: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-08/metade-das-mulheres-passou-cuidar-de-alguem-na-pandemia
- Artigo “O cuidado como atribuição feminina: contribuições para um debate ético”
- Estudo “Tempo de Cuidar”: https://www.oxfam.org.br/publicacao/tempo-de-cuidar-o-trabalho-de-cuidado-nao-remunerado-e-mal-pago-e-a-crise-global-da-desigualdade/
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