Terapia com bonecas para pessoas idosas

terapia com bonecas

Você já ouviu falar sobre terapia com bonecas para pessoas idosas?

Essa prática, ainda pouco difundida no Brasil, tem despertado curiosidade, afeto e também certa controvérsia. De um lado, profissionais e familiares que já acompanham seus efeitos positivos relatam ganhos importantes no bem-estar e na expressão emocional de pessoas idosas. De outro, há quem estranhe a cena de uma senhora acariciando um boneco ou de um senhor ninando um bebê de brinquedo — muitas vezes por associar, de forma automática, o brincar com bonecas ao universo infantil. A partir daí, surge o temor da infantilização, quando, na verdade, estamos falando de algo muito mais profundo: cuidado, memória, vínculo e dignidade.

O universo dos bonecos hiper-realistas — os chamados bebês reborn — tem sido protagonista de uma nova tendência cultural que atravessa faixas etárias e contextos sociais. Criados inicialmente como peças de coleção, esses bonecos impressionam pelo realismo e têm conquistado espaço não apenas como objetos de afeto, mas também como ferramentas terapêuticas. E é justamente nesse ponto que a prática da terapia com bonecas se conecta com um fenômeno contemporâneo mais amplo, abrindo espaço para um diálogo entre cultura e cuidado.

Uma Abordagem Terapêutica

A terapia com bonecas, também conhecida como doll therapy, consiste na introdução de bonecos com características que remetem a bebês (embora nem sempre sejam os hiper realistas reborn) no ambiente de cuidado de pessoas idosas. O objetivo central não é infantilizar — um risco real que exige sensibilidade e ética profissional — mas sim oferecer um estímulo emocional capaz de evocar sentimentos como afeto, responsabilidade, acolhimento e segurança.

Diferentemente do uso lúdico ou do colecionismo, a aplicação terapêutica é sempre intencional e geralmente mediada por profissionais da saúde, como terapeutas ocupacionais, psicólogos, cuidadores especializados ou enfermeiros. A prática é adaptada às necessidades cognitivas, emocionais e à história de vida de cada pessoa. Nesse contexto, a boneca atua como um objeto transicional, funcionando como ponto de ancoragem emocional que pode facilitar a expressão de sentimentos, reduzir a ansiedade, proporcionar conforto e promover interação social.

Enraizada nos princípios da neuropsicologia e da gerontologia, essa abordagem mostra se especialmente eficaz em contextos de demência, como na Doença de Alzheimer. Em um ambiente seguro e respeitoso, a entrega a esse tipo de vínculo pode resgatar memórias de maternagem, ativar funções cognitivas residuais, aliviar sintomas neuropsiquiátricos e transformar-se em uma forma de cuidado profundamente humana.

Claro, essa não é uma estratégia universal, nem deve ser imposta. Como toda intervenção em saúde, ela exige avaliação individualizada, escuta atenta e diálogo constante com a família e a equipe multidisciplinar.

Falar sobre terapia com bonecas é, portanto, ampliar nossa escuta e nosso olhar. É reconhecer que o cuidado com pessoas idosas exige mais do que protocolos: exige sensibilidade, abertura ao novo e disposição para resgatar, na memória afetiva, caminhos possíveis de bem-estar. Talvez seja o momento de deixarmos de lado preconceitos e passarmos a perguntar: e se for justamente essa boneca que desperta o sorriso que há dias não víamos?

Benefícios Neuropsicológicos: Estimulando a Mente e as Emoções

A demência é uma síndrome que provoca deterioração da função cognitiva. Atualmente mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência no mundo. E, a cada ano, surgem aproximadamente 10 milhões de novos casos (OMS, 2022).

Em fevereiro de 2017, uma revisão sistemática sobre a terapia com bonecas para quem sofre demência foi publicada na ScienceDirect, concluindo que a terapia com bonecas é benéfica para pessoas com Alzheimer e/ou com outras disfunções neurais. Dentre os benefícios já mencionados nesse texto, vale ressaltar a redução do estresse e os ganhos em controle sensorial e na capacidade de se comunicar obtidos por pessoas idosas com essas disfunções. 

Do ponto de vista neuropsicológico, a terapia com bonecas demonstra potencial significativo, especialmente em quadros de demência. Estudos e relatos clínicos apontam diversos benefícios:

  • Redução de Sintomas Psicológicos e Comportamentais da Demência (SPCD): A agitação, a agressividade, a perambulação e a apatia são desafios comuns no manejo da demência. A interação com a boneca pode ter um efeito calmante, redirecionando a atenção do idoso e diminuindo a ocorrência desses comportamentos. A pesquisa de Souza et al. (2023), por exemplo, destaca a eficácia das bonecas como recurso para pessoas com Alzheimer, promovendo alegria e senso de responsabilidade. Um estudo no Reino Unido, citado por eles, observou uma diminuição significativa no uso de psicotrópicos em um lar de idosos que implementou a terapia.
  • Estimulação Cognitiva: Embora não reverta o quadro demencial, a terapia pode estimular funções cognitivas residuais. Cuidar da boneca envolve planejamento motor (vestir, segurar), memória (lembrar de cuidados, associar a experiências passadas) e linguagem (conversar com a boneca, expressar necessidades relacionadas a ela). Essa interação pode ajudar a manter o idoso mais engajado e conectado com o ambiente.
  • Regulação Emocional: A boneca pode servir como um catalisador para a expressão emocional. Idosos podem projetar sentimentos na boneca, conversar sobre suas preocupações ou simplesmente encontrar conforto no ato de segurá-la e niná-la. Isso pode ser particularmente útil para aqueles com dificuldade de comunicação verbal, permitindo uma forma alternativa de expressar afeto, tristeza ou necessidade de consolo.
  • Evocação de Memórias Afetivas: O ato de cuidar de uma boneca pode despertar memórias associadas à parentalidade ou ao cuidado de outros entes queridos, ativando redes neurais ligadas a experiências passadas positivas e significativas. Esse resgate mnemônico-afetivo contribui para a manutenção da identidade e da história de vida do idoso.

Vantagens para introduzir a terapia em sua ILPI

A terapia com bonecas, quando aplicada de forma ética, sensível e adaptada ao contexto de vida de cada residente, pode representar um recurso valioso nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Sua adoção não apenas promove conforto e bem-estar aos idosos, como também colabora para a rotina dos cuidadores, proporcionando um ambiente mais acolhedor e estável.

1. Uma Abordagem Não Farmacológica com Resultados Comprovados

Sintomas comportamentais e psicológicos são comuns em pessoas que vivem com demência, como agitação, agressividade, ansiedade e retraimento social. Esses sintomas, além de impactarem a qualidade de vida do idoso, também geram sobrecarga significativa para os cuidadores.

Estudos recentes, como um publicado em 2021, indicam que a terapia com bonecas é uma alternativa não farmacológica de primeira linha para ajudar a mitigar esses sintomas. A intervenção se mostrou eficaz na redução da agitação, comportamentos agressivos e estresse emocional entre residentes em ILPIs, representando um importante complemento ao tratamento medicamentoso tradicional.

2. Redução da Sobrecarga do Cuidador

Ao interagir com a boneca, muitas vezes o idoso passa a direcionar sua atenção e afeto para ela, como se fosse um bebê real que requer cuidados constantes. Esse comportamento de apego oferece ao idoso uma fonte segura de vínculo emocional, contribuindo para a redução de estados de ansiedade e demanda direta por cuidados. Como consequência, a carga de trabalho emocional dos cuidadores também diminui, favorecendo um ambiente mais tranquilo e humanizado.

3. Promoção da Qualidade de Vida e Conexão Social

No campo da gerontologia, a terapia com bonecas se alinha aos princípios do cuidado centrado na pessoa, promovendo bem-estar psicossocial por meio de:

  • Combate à solidão e ao isolamento: A boneca pode se tornar uma companhia constante, funcionando como um elo de interação para idosos com menos contato social.

  • Resgate do senso de propósito: O ato simbólico de cuidar reacende no idoso a sensação de utilidade, algo essencial para a autoestima e a identidade na velhice.

  • Facilitação da comunicação: A boneca serve como ponto de partida para conversas entre os residentes, familiares e equipe de cuidados, quebrando barreiras e estimulando a interação espontânea.

  • Sensação de conforto e segurança: O contato físico — segurar, acariciar, embalar — estimula a liberação de ocitocina, hormônio associado ao vínculo, à empatia e ao bem-estar emocional.

Considerações finais

A terapia com bonecas é mais do que uma técnica — é um gesto de escuta e de cuidado. Em um mundo que tantas vezes silencia as necessidades emocionais das pessoas idosas, especialmente daquelas que vivem com demência, oferecer um espaço para o afeto, para o toque e para o vínculo é, também, uma forma de respeito à dignidade.

Os benefícios dessa abordagem vão além da redução de sintomas como agitação e ansiedade. Ao estimular memórias afetivas, promover interação social e resgatar o senso de propósito, a terapia com bonecas revela seu potencial terapêutico e humano. Ela não substitui medicamentos nem relações humanas, mas pode ser uma ponte para acessos emocionais que outras abordagens não conseguem alcançar.

Por isso, é fundamental que sua aplicação seja feita com sensibilidade, conhecimento técnico e atenção à história de vida de cada pessoa. Mais do que aderir a uma tendência, trata-se de acolher, com ética e empatia, aquilo que permanece vivo em cada indivíduo: a capacidade de sentir, de cuidar e de se conectar.

Quando bem indicada e conduzida, essa prática pode transformar não só o cotidiano de quem a recebe, mas também a forma como enxergamos o envelhecimento — não como uma fase de perdas, mas como um tempo de afetos que ainda podem florescer.

Saiba + sobre Demência em: Demência: Plano de Ação Global 

Links Externos:

“Terapia da boneca pode reduzir a agitação em pessoas com alzheimer”: https://alzheimer360.com/alzheimer-boneca/

“A terapia com bonecas como tratamento de primeira linha para sintomas comportamentais e psicológicos de demência em residentes de lares de idosos: um estudo randomizado e controlado”:  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8507228/

 

Outras Referências:

Bernardo, L. D., et al. (2018). Intervenções não  farmacológicas para idosos com Doença de Alzheimer: revisão sistemática. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(4). Disponível em: Link

ForOTF. (s.d.). Terapia com bonecas: o que é, benefícios e como aplicar. Disponível em: Link

Souza, E. R. O.; Nogueira, M. I. S.; Machado, A. K. C. (2023). ANÁLISE DA EFICÁCIA DO USO DE BONECAS TERAPÊUTICAS COM PESSOAS IDOSAS. In: Perspectivas e desafios do cuidado em saúde na contemporaneidade. Editora Realize. Disponível em: Link

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